CEO da BRK vê janela de oportunidade para MP do Saneamento

Para Teresa Vernaglia, Congresso pode votar novo marco regulatório em março ou abril, antes da reforma da Previdência.

26 de março de 2019Infraestrutura

Teresa Vernaglia, CEO da BRK Ambiental, acredita que o País tem uma janela de oportunidade agora em março e abril, antes da votação da reforma da Previdência, para aprovar uma nova regulamentação do saneamento. "Está aí uma boa bandeira para o Congresso", diz ela.

Nesta entrevista, Teresa analisa o complicado ambiente regulatório do setor e as dificuldades que vêm impedindo sua alteração, aponta quais são os elementos que precisam constar de seu novo marco e ainda trata de outros aspectos fundamentais à evolução do deficiente saneamento nacional. Acompanhe:

Vimos a Medida Provisória do Saneamento (MP 844/2018) caducar em novembro, uma nova MP (868/2018) ser publicada em dezembro, e ainda há o Projeto de Lei 10996/2018. Como você vê todo esse imbróglio envolvendo a alteração do marco regulatório do setor? Cria insegurança jurídica?
A insegurança jurídica já está posta no setor, considerando um cenário em que temos 49 agências reguladoras. Só a BRK interage com 22 e podemos, no limite, ter 5570, pois o poder concedente é o município. Se há alguma coisa boa nesse contexto todo é que agora o saneamento vem sendo discutido e, desde 2018, ainda que timidamente, entrou na agenda política eleitoral. Se considerarmos que, no discurso de posse, o presidente [Jair Bolsonaro] citou a palavra saneamento, é um avanço para um segmento que ficou relegado por muito tempo. Temos feito um trabalho grande nessa direção. O investidor tem visão de longo prazo, está comprometido com o País e precisa de uma segurança jurídica maior do que a vigente no mercado brasileiro. No saneamento, nos vemos em pleno século XIX, ao passo que tantos outros setores – como energia, telecomunicações e agricultura – estão no XXI. Isso porque o marco regulatório do saneamento é caótico. 

Na sua avaliação, a MP que acabou caducando abarcava as questões primordiais para o futuro do setor?
Ela endereçava pontos estruturais. No Brasil, existem 100 milhões de pessoas sem acesso a esgotamento sanitário. Do total de 5570 municípios, 2902 são desprovidos desse serviço. Mesmo diante de tanta necessidade de investimento, nos últimos quatro anos, só tivemos duas licitações – e ambas estão paradas por questionamentos de diversas ordens. Por outro lado, há empresas querendo investir, mas o processo fica travado. A MP – seja a atual ou a anterior, já que são muito parecidas – trouxe elementos para destravar o setor.

Que elementos você destaca?
O primeiro deles é a figura de uma agência reguladora federal que dará diretrizes às tantas outras nos níveis municipal, regional e estadual. Veja que não estaríamos ainda numa situação em que o regulador é federal – como ocorre no segmento telecomunicações ou no de energia, cuja característica é ter como poder concedente o ente federal. Outro elemento é facilitar que as empresas estaduais promovam PPPs, um processo hoje muito complicado. Viabilizariam-se as subconcessões ou subdelegações, ou seja, entregar ao privado as operações de água e esgoto e as comerciais. Isso já seria um avanço muito forte e uma sinalização importante para o setor, uma vez que traz alguma racionalidade regulatória e cria condições para projetos. Foi uma pena a MP não ter passado no governo anterior [de Michel Temer]. Perdemos todos, população e empresas. 

A que reputa o ocorrido?
Entrou-se numa discussão sobre público contra privado, ou privado contra público, e esse é um aspecto menor porque o fato é que o modelo atual não funciona. As empresas estaduais não têm condição de investir, o privado não consegue fazê-lo e o serviço não é prestado. O debate que tem de ser colocado é como viabilizar que quem for fazer o investimento, seja público ou privado, trabalhe sob as mesmas regras. Hoje, há uma assimetria total nas cobranças desses serviços. Realmente acredito que o volume de investimento que precisa ser efetivado abre espaço para todo tipo de empresa. Existem empresas públicas boas, empresas públicas que não são boas, empresas privadas que são boas e empresas privadas que não são boas. A discussão não é essa, e sim ter um ambiente de negócios que permita que todos participem, submetidos às mesmas regras. Torcemos para que a medida seja aprovada.

Você tem atuado de que forma na defesa dessa causa?
Temos um papel importante de explicar a MP ao grande público. É um assunto árido e há também uma batalha de comunicação, tentando mostrar o que é fato a respeito do que se diz sobre saneamento, e o que não é. Por exemplo, fala-se que não há interesse em fazer investimentos em municípios pequenos. Há, sim. Entretanto, existem municípios muito pequenos, e a MP prevê mecanismos para que se consorciem a fim de obter escala e permitir que o investimento aconteça. Para nós, parece algo óbvio, mas existe uma complexidade em levar isso de forma palatável ao grande público e também aos deputados e senadores. Vemos muitos argumentos a favor da MP que são econômicos, caso do volume de investimento [requerido]; porém, mais do que isso, precisam ganhar relevo os aspectos sociais que ela vai endereçar. Todos os anos, morrem 15 mil pessoas no País por falta de saneamento. A pressão sobre o sistema público de saúde é enorme. O município que decide sanear seu serviço pode receber uma outorga para investir em outras áreas, ao mesmo tempo em que reduz custos em saúde e melhora a educação. Como essa agenda poderia não ser boa?


A pesquisa 'Saneamento e a vida da mulher brasileira', uma iniciativa da BRK em parceria com o Instituto Trata Brasil e apoio do Pacto Global divulgada no final do ano passado, faz parte dessa estratégia de argumentação, contribuindo para a formação da opinião pública a respeito das prioridades do setor?
Essa é a linha. Quando idealizamos essa pesquisa, queríamos comprovar com dados o que já imaginávamos: o quanto o saneamento afeta mais a mulher [do que o homem] e a quem direcionar nossos programas socioambientais nas localidades onde operamos. Temos concessões de 30 a 40 anos, então nossa relação com a comunidade é muito de longo prazo, e queremos que nossos projetos socioambientais sejam aderentes a essa realidade. A pesquisa não deixa dúvidas de que a mulher que não tem acesso a saneamento está fadada a enfrentar mais problemas de saúde, ficar mais tempo em casa cuidando de quem adoece, ter sua sua renda prejudicada, não dispor de tempo para estudar e, portanto, não acessar bolsas de estudo oferecidas pelo governo. É muito cruel. Por isso, a MP é uma medida social, não apenas [uma iniciativa] para trazer capital privado ou público. O saneamento é um veículo de empoderamento e integração da mulher, uma ferramenta de redução da desigualdade [de gênero].

Recentemente, circularam rumores sobre um possível encontro envolvendo governo federal, parlamentares, empresas de saneamento e investidores, com vistas a discutir a repaginação da MP. O que seria um redesenho satisfatório?
O ponto de maior polêmica em toda a MP refere-se ao artigo 10C, que prevê que municípios que têm contratos de prestação de serviços de água e esgoto com uma empresa estadual, no momento do vencimento, façam uma consulta ao mercado para saber se outras companhias – privadas ou públicas – querem participar do processo. As empresas estaduais contestam esse artigo com o argumento de que o privado só terá interesse por licitações dos grandes municípios, deixando os pequenos sem o serviço de esgoto. Ora, 2905 municípios, do total de 5570, já não têm hoje coleta de esgoto e tratamento, e a maioria possui contrato com empresas estaduais. Logo, não pode ficar pior do que está. É coerente imaginar que um município decida ir a mercado somente se a empresa estadual não estiver oferecendo um bom serviço. Ele deveria ter esse direito e, se a empresa estadual não estiver em condição de fazer o investimento [necessário], por que o município não pode buscar quem faça? Esse é o grande ponto de discussão. Foi por esse motivo que a MP não passou da outra vez, mas agora temos um pouco mais de tempo para debater alternativas razoáveis. Portanto, uma eventual repaginação [da MP] deveria ser algo na linha de dar, sim, o direito aos municípios de optar;  estabelecer um modelo no qual quem entrar [na licitação] tenha a obrigação de pegar os municípios menores junto com os maiores, e que pare de pé; e contar com uma agência reguladora que dê regras e possibilite ao cidadão desfrutar da segurança de que o serviço está sendo fiscalizado e de que tem a quem recorrer caso precise reclamar. 

A concentração de esforços do Executivo e do Congresso em torno da reforma da Previdência pode dificultar progressos na regulamentação do saneamento?
Obviamente, a Previdência é prioridade absoluta. Não há dúvida de que o País precisa vencer essa etapa. Contudo, haverá um período até que a reforma da Previdência vá a votação. Tem-se uma janela de oportunidade agora em março e abril, considerando que o Congresso vai precisar votar pautas até que passe à da Previdência. Está aí uma boa bandeira para o Congresso. O cenário não é fácil e nunca foi, mas creio que o País hoje reúne condições para esse avanço: as pessoas estão falando mais de saneamento; está claro que os municípios, os estados e as empresas estaduais na sua maioria têm um problema fiscal e não possuem as condições de fazer os investimentos; e existem companhias interessadas em realizar esses aportes, num momento em que o País precisa gerar emprego e os estados têm como preocupação segurança e saúde, necessitando ter outros agentes trabalhando em saneamento e gerando recursos para, assim, poder se concentrar em suas prioridades. Consequentemente, há toda uma agenda que me parece muito positiva para o ambiente político de fato votar [a MP do saneamento].

Além da regulamentação, que outras lacunas o setor precisa encarar de imediato?
A MP não vai resolver tudo sozinha. Existe um passo atrás que é o seguinte: se os municípios decidirem fazer seus projetos, têm condição técnica e financeira de preparar as modelagens para colocar no mercado um edital com todo o arcabouço jurídico, regulatório, de financiamento e técnico, que não seja questionado? Não. Essa é uma grande dificuldade. Trata-se de um ponto crucial e estrutural que o governo precisa avaliar como será conduzido, se via BNDES, outros agentes federais ou entidades, sem ficar na dependência de as empresas companhias fazerem PMI [procedimento de manifestação de interesse]. Seria ótimo, por exemplo, que os governos de estado, as empresas estaduais e os municípios tivessem um ente isento para realizar os estudos com qualidade para que depois o privado e as próprias empresas estaduais entrassem para concorrer no processo licitatório. Esse é um tópico importante que precisa ser endereçado.

Crédito é um fator que preocupa? Nesse campo, o que pode contar sobre a negociação do acordo inédito da BRK com o BID anunciado em dezembro, pelo qual o banco emprestará R$ 350 milhões a serem utilizados na PPP da região metropolitana de Recife?
Esse foi um processo muito relevante e nele entra o aspecto de governança da companhia, fundamental para a decisão do banco de fazer essa transação conosco. Os processos socioambientais e o programa de diversidade e de gênero que temos também contaram bastante. Os bancos multilaterais todos estão olhando esses aspectos na hora de decidir com quem fazer suas transações. Creio que haverá recursos disponíveis para saneamento – isso vale para [bancos] multilaterais, mercado de capitais, emissão de bonds, debêntures etc. O que é preciso é existir projetos de qualidade, um marco regulatório estável e empresas com musculatura, credibilidade e capacidade de execução para captar grandes volumes de investimento.



O próprio BID havia declarado que no passado não poderia negociar com a empresa, quando era ainda Odebrecht Ambiental (integrada ao grupo Odebrecht, que vendeu sua participação de 70% ao novo controlador, Brookfield, em 2016). Como tem sido lidar com os passivos herdados e de que maneira tem evoluído a difusão dos princípios de compliance do novo controlador, uma das prioridades que você elegeu como gestora?
O programa de compliance evoluiu muito bem nesses quase dois anos [da minha gestão, iniciada em maio de 2017]. Hoje temos uma governança bastante robusta, um comitê de ética, um esforço grande de treinamento dos funcionários todos e um comprometimento do top management muito forte. Todavia, esse é um trabalho de construção. Nenhuma empresa que tenha programas de compliance pode dizer que o completou. Continuamos trabalhando intensamente, sempre subindo a barra.

Do plano de investimentos de R$ 7 bi anunciado pela BRK em 2018 para cinco anos, quanto deve ser aportado agora em 2019? Quais serão as prioridades?
Cumprimos nosso plano de 2018 e entramos a todo vapor no de 2019. Esse plano é nosso caso-base, ou seja, universalizar os serviços nas operações que já fazem parte do nosso portfólio. Adicionalmente, temos todo o portfólio de crescimento, com a empresa buscando novas oportunidades de operações. Desse investimento que está em execução desde o final de 2017, cerca de 65% estão centrados em esgotamento sanitário. Como o grande déficit [nacional] é coleta e tratamento de esgoto, não poderia ser diferente. A outra parte [35%] destina-se à universalização da água e à qualidade da água que entregamos.


Entrevista concedida à editora-chefe Giovanna Carnio


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