Brasil entra no jogo do hidrogênio verde com ótimas perspectivas

País é beneficiado pelas condições naturais de produção e escoamento

21 de julho de 2021Infraestrutura

A demanda pela descarbonização do meio ambiente ganhou novo impulso na semana passada, quando a União Europeia anunciou a criação de uma taxa de carbono sobre produtos importados para proteger a indústria local de concorrentes estrangeiros que não estejam comprometidos com os mesmos padrões ambientais seguidos pelos europeus atualmente. O mecanismo começa a valer em 2023. 

Em período tão curto, é provável que a maioria dos exportadores seja taxada (a UE estima arrecadar € 10 bilhões por ano com a medida), mas o cenário pode mudar rapidamente para o Brasil, uma das maiores potências globais na produção do hidrogênio verde, que tem esse nome pelo fato de ser obtido a partir de energias renováveis, como eólica e solar. 

“O Brasil é o produtor de energia renovável de menor custo marginal do planeta. Nossa conjuminação de vento e sol é imbatível e a vasta expansão das renováveis ocorre onshore, muito mais fácil e barato de construir”, explica o diretor geral da Siemens Energy Brazil, André Clark. 

As vantagens naturais do país também são exaltadas pela chefe da Assessoria Especial em Assuntos Regulatórios do Ministério de Minas e Energia, Agnes da Costa: “As energias eólica e solar estão muito presentes na costa brasileira, onde ficam nossos portos, e isso facilita o escoamento [para exportação]”, acrescenta. 

Embora o assunto esteja borbulhando no momento, a tecnologia para obtenção de hidrogênio verde não é nova; pelo contrário: vem sendo desenvolvida nas últimas três décadas e torna-se mais escalável e eficiente a cada ano. “Essa eficiência hoje está na casa dos 75%. As perdas são cada vez menores”, aponta Clark, fazendo um paralelo com a escalabilidade da energia solar.

“Há dez anos, o painel solar era caro, mas hoje é extremamente competitivo. Os dados mostram que a cada 22 meses, o custo dele cai pela metade. Com o hidrogênio verde não será diferente”, prevê o especialista. Na Siemens, o projeto mínimo de hidrogênio verde tinha capacidade de 1 MWh há quatro anos; hoje, o mínimo são 10 MWh, pois o processo está mais barato.

Energias renováveis ganharam escala rapidamente. Expectativa é que o mesmo ocorra com o hidrogênio verde. Foto: Mint_Images/Envato

O Brasil ainda pode utilizar as hidrelétricas para produzi-lo em épocas de cheia, sugere Clark: “Muitas vezes, o reservatório chega ao seu limite e a hidrelétrica precisa verter água sem passar pelas turbinas. Essa água pode ser usada, naquele momento, para fazer hidrogênio. É uma energia que custa zero e a hidrelétrica estará obedecendo a determinação do operador nacional”. 

Agnes da Costa indica que o país vai se utilizar de todas as fontes renováveis para ganhar escala no hidrogênio verde, embora haja maior atenção sobre os recursos hídricos para que não ocorra prejuízo de outras funções, como geração de eletricidade e dessedentação de animais. “Há desafios e oportunidades. As coisas devem acontecer naturalmente e o importante é planejá-las desde o começo”. 

Arcabouço regulatório

De acordo com a Resolução nº 6/2021 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), o Ministério de Minas e Energia (MME) tem até este mês para apresentar as diretrizes do Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2), as quais foram concluídas na semana passada, segundo revela Costa. 

“O documento vai ser apresentado ao CNPE na próxima reunião, que ainda não tem data definida. A ideia é que seja avaliado pelos outros ministérios que compõem o conselho para então formalizar as diretrizes do programa. [O PNH2] é uma agenda de trabalho que vai indicar o que precisa ser feito para desenvolver o mercado de hidrogênio no Brasil. É um plano plurianual que envolve a academia e o setor privado a fim de criar uma política consistente”, explica a executiva do MME.

Segundo Danielle Valois, sócia nas áreas de Energia e Infraestrutura do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados, um dos principais tópicos discutidos neste contexto é o arcabouço legal e regulatório. “O mercado do hidrogênio já existe, mas principalmente o hidrogênio cinza, produzido a partir de combustíveis fósseis sem captura de carbono. Logo, é necessário que a regulação evolua para abarcar o uso energético do hidrogênio e a produção do hidrogênio limpo, especialmente o verde”.

Embora a ausência de regulação específica não impeça o desenvolvimento de projetos, é importante que haja este arcabouço regulatório para atrair investidores, aponta Gabriela Bezerra, advogada do mesmo escritório: “A tecnologia [para produção de hidrogênio verde] ainda não atingiu escala comercial. Por isso, a regulação é vista como chave para destravar investimentos”.

O MME se reuniu recentemente com cerca de 40 representantes do setor privado para apresentar o esboço das diretrizes. Segundo Costa, algumas ponderações foram incorporadas ao documento e o retorno obtido do mercado foi bastante positivo. Na entrevista ao GRI, o diretor geral da Siemens Energy Brazil, André Clark, elogiou o trabalho apresentado pelo ministério.

Na leitura do executivo, embora o Brasil tenha iniciado as discussões com ligeiro atraso em relação a outros países, como os da União Europeia e o vizinho Chile, só agora é que o assunto está de fato sendo debatido pelas grandes nações. “Ainda não há um mercado definido, então, globalmente, estamos no tempo certo, dando sinais de que queremos participar. Isso é importante porque agora serão definidas as regras do jogo”. 

Segundo Agnes da Costa, o país assumiu um compromisso voluntário de colaboração com as Nações Unidas em relação ao hidrogênio, o que é apenas uma parte do que vem sendo discutido sobre o assunto no Brasil. “Nosso objetivo é criar uma base de conhecimento em três pilares: P&D, capacitação do ensino técnico e superior, e uma plataforma colaborativa com todas as informações sobre o hidrogênio no Brasil para facilitar a chegada de investidores”. 

Soma de fatores deve acelerar participação do hidrogênio verde

Boa parte dos estudos indica que o hidrogênio verde será realidade na próxima década. Para André Clark, é provável que haja uma aceleração devido à combinação de alguns fatores: rápida evolução tecnológica, demanda crescente pela descarbonização do meio ambiente e elevada disponibilidade de capital para projetos sustentáveis.

“Nós já vimos que a tecnologia anda muito mais rápido que o esperado, os países querem se livrar do carvão para cumprir o Acordo de Paris e o custo de capital para projetos ESG vai ser extremamente competitivo. Eu acredito que em um prazo entre três e cinco anos haverá um conjunto muito grande de projetos”. 

O especialista compara o rápido desenvolvimento e crescimento dos mercados de energia eólica e solar ao longo caminho percorrido pelas hidrelétricas. “A energia eólica já representa 14% da matriz energética brasileira em dez anos. Os prazos estão menores hoje”, ratifica Clark. 

De acordo com Agnes da Costa, o MME procurou mapear as demandas de mais rápida resposta para o hidrogênio verde. A executiva acredita que o uso na produção de fertilizantes é um bom exemplo; com um pouco mais de tempo, também será viável como combustível de transportes e para o funcionamento de siderúrgicas. 

Em alguns anos, o hidrogênio verde já deverá ser utilizado como combustível em modais de transporte. Foto: David Prado Perucha/Envato

Para o diretor geral da Siemens Energy Brazil, a criação de um mercado global de hidrogênio verde é uma grande oportunidade para o país, já que a expansão das energias renováveis atualmente é limitada pela demanda doméstica. “Se o Brasil começar a exportar energia renovável na forma de hidrogênio e seus derivados, não haverá limite. Vamos ganhar escala porque há um efeito de segunda ordem: fertilizante verde, soja verde, aço verde etc.”. 

Danielle Valois indica que existe um consenso mundial de que a competitividade dos projetos de hidrogênio verde depende de incentivos, pelo menos em um primeiro momento. “Há também a tendência de que o carbono seja cada vez mais taxado, o que vai encarecer os projetos com altas emissões e ajudar a equiparar os custos com os projetos limpos”, afirma.

No Reino Unido, por exemplo, discute-se a adoção de um mecanismo chamado contract for difference, nos quais o governo arcaria com a diferença de custo do projeto verde em relação a um projeto com emissões de carbono. “A expectativa é que para os primeiros projetos os subsídios sejam oferecidos caso a caso”, explica Valois. 

A União Europeia já anunciou vultosos investimentos. Em maio, a Alemanha selecionou 62 projetos que, se aprovados pela Comissão Europeia, receberão aportes de € 8 bilhões. “Os alemães também vão destinar € 2 bilhões para projetos em outros países, com exportação para uso local”, complementa Gabriela Bezerra. 

“No Brasil, é possível que os incentivos sejam inspirados no que foi feito com as energias de fontes renováveis. O governo já informou que também vem conversando com o BNDES sobre linhas de financiamento”, indica Valois.

De olho no crescimento do mercado, a Siemens Energy implementou um hub de hidrogênio verde na América Latina, cuja equipe fica baseada na sede corporativa da empresa no Brasil, em São Paulo. “Atuamos em todas as etapas do projeto: estratégia, viabilidade, engenharia, execução. Temos geradores, linhas de transmissão, turbinas e hidrolisadores”, conta André Clark.

A companhia também estabeleceu uma parceria com o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica da Eletrobras para estudar o ciclo tecnológico do hidrogênio no Brasil. “São várias ideias em curso. Uma delas é o diesel verde, obtido ao se adicionar hidrogênio limpo em qualquer óleo vegetal. Até combustível para aviação já estamos desenhando”, revela o executivo.

Para a sócia de Energia e Infraestrutura do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados, com a privatização da Eletrobras, “a tendência é que o processo de tomada de decisão seja mais ágil, além do apetite maior para riscos, o que é importante para projetos como os de hidrogênio verde, cuja competitividade econômica no curto prazo ainda está sendo testada”.

Um último ponto destacado por Danielle Valois são os critérios de certificação: “Ainda não há uma definição de como será a metodologia para certificação dos projetos de hidrogênio verde, mas com um mercado global se estruturando, é importante que os países estejam atentos às tendências internacionais para viabilizar os investimentos estrangeiros e o acesso a outros mercados”, finaliza.

Por Henrique Cisman