Autoridades e agentes do mercado debatem ações para enfrentar crise hídrica

Ministério do Desenvolvimento Regional vai lançar marco hídrico

4 de novembro de 2021Infraestrutura

O Infra Brazil GRI 2021, realizado nos dias 21 e 22 de outubro no Centro de Convenções do São Paulo Corporate Towers, trouxe no primeiro dia de debates um painel sobre a crise hídrica com foco no impacto econômico e nas estratégias para lidar com a situação - não só agora, como no futuro. 

A moderação ficou a cargo de Bruno Werneck, sócio da Mayer Brown Tauil & Chequer, e os participantes convidados foram Ciocchi Luiz Carlos, presidente do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS); Francisco Nunes, secretário nacional de segurança hídrica do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR); Paulo Petrassi, head de energia da Origem Energia; e Thiago Barral, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

Inicialmente, foram mencionadas as ações do governo e do ONS para lidar com a crise hídrica. Ciocchi contextualizou o panorama, destacando que o último período chuvoso foi o mais fraco dos últimos 91 anos. “Ninguém consegue prever a intensidade das chuvas no próximo período, assim como aconteceu neste último ano”.

Após uma queda expressiva no consumo energético observada no início da pandemia, houve retorno da carga em setembro do ano passado. Na época, não havia preocupação com a crescente escassez de chuvas, porém o ONS entrou em alerta e as termelétricas foram acionadas. 

Em abril deste ano, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) indicou estado de emergência, e o ONS intensificou os esforços para transmitir mais energia gerada no Nordeste (fontes eólica e solar, principalmente) para o Sudeste, além das hidrelétricas do Norte. “Ainda, o governo achou por bem criar a Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (CREG) para aumentar a segurança jurídica dos operadores”, salientou Ciocchi. 

O presidente do ONS ainda acrescentou que a falta de chuvas não foi um problema apenas para o setor energético. “Mesmo com as chuvas recentes, a situação continua delicada. Felizmente, elas vieram antes do que estava previsto, e isso deu um fôlego. Não há chance de racionamento ou apagão em 2021”. 

Já o cenário em 2022 vai depender do verão que se aproxima, mas, mesmo que as chuvas venham em bom volume, será impossível recuperar os reservatórios apenas neste intervalo. “Não podemos afirmar que o problema está resolvido. A crise hídrica não acabou e a intensidade das chuvas é incerta. Nenhum estudo consegue realizar previsões exatas, por isso devemos ser conservadores no uso”. 

O secretário de segurança hídrica do MDR falou sobre as iniciativas do governo federal nessa questão. Segundo Nunes, o projeto de lei da desestatização da Eletrobras prevê R$ 5,8 bilhões para a revitalização de bacias hidrográficas. “Isso vai aumentar a oferta hídrica e suavizar a crise. Em paralelo, o MDR busca parceiros diante da escassez orçamentária. São pelo menos dez projetos e R$ 250 milhões em iniciativas privadas em andamento”. 

A autoridade também pontuou que as mudanças na política nacional são iminentes, a fim de se ter maior ingerência sobre o uso das bacias. Segundo Nunes, talvez seja hora de centralizar as decisões. “O marco hídrico, que será apresentado nos próximos dias pelo ministro Rogério Marinho, vai criar a cessão onerosa de direito de uso e solucionar conflitos de forma harmônica com a contrapartida financeira”, afirmou.

Por sua vez, o presidente da EPE ressaltou o papel da instituição e as transformações na matriz energética do país. ”A EPE auxilia o ONS e o Ministério de Minas e Energia (MME) sobre os caminhos e as estratégias a seguir. A função institucional da empresa é analisar elementos estruturais e ações de prevenção de eventos como a crise hídrica”. 

Segundo Barral, é visível que a matriz brasileira está mudando. Até 2017, o volume de retiradas de reservatórios para atividades como irrigação e abastecimento cresceu 43%, e vai aumentar mais 30% até 2030, segundo cálculos da EPE. “Temos que respeitar as restrições do sistema. Se vai ter menos água, é necessário um recurso substituto. Devemos abrir espaço para novos recursos energéticos, mas este é um trabalho em um horizonte de médio a longo prazo.

Em relação aos elementos requeridos para essa atualização, Petrassi afirmou que a tônica do investimento privado é o risco ajustado ao retorno. “Se o risco for muito alto, não há interesse. O setor privado não quer caos, e a situação atual é preocupante. A mudança climática é uma realidade”.

O executivo lembrou que, há 50 anos, prevaleceu a ideia de geração hidrelétrica no país. “Foi fantástico enquanto solução energética, mas o Brasil descansou demais nesse sucesso”. Na visão de Petrassi, exauriu-se a capacidade dos bons reservatórios, das boas localizações, além da maior preocupação ambiental, um impeditivo correto para novos empreendimentos de grande porte, como a hidrelétrica de São Luiz dos Tapajós. 

“A demanda sempre cresce, e a tendência é que o estoque dos reservatórios para supri-la seja cada vez menor. É preciso, portanto, investir em transmissão, grid storage, compensação síncrona. A falta de investimentos ao longo dos anos nos deixou dependentes do clima, das chuvas”, ratificou.

No fim da sessão, o público e os convidados ainda debateram sobre a participação do hidrogênio na matriz energética brasileira.

Por Henrique Cisman e Lucas Badaracco