Autoridade metropolitana é via para potencializar mobilidade

Avançar na instituição desse tipo de órgão supramunicipal em meio a divergências políticas e frágil regulamentação é desafio.

20 de junho de 2018Infraestrutura

A figura da autoridade metropolitana – entidade atuante em planejamento, organização e regulação das atividades públicas de interesse dos municípios que integram uma região metropolitana (RM) – é cada vez mais apontada como um elemento importante para potencializar melhorias nos transportes públicos e contribuir para o aumento da mobilidade urbana no Brasil.

O País soma atualmente 69 RMs e deve atingir seu ápice populacional em 2042, com estimados 228,4 milhões de habitantes, segundo o IBGE. Contudo, como avançar na instituição desse tipo de órgão supramunicipal em meio a divergências políticas e uma frágil regulamentação?

As regiões metropolitanas estão previstas na Constituição e sua criação é promovida via lei complementar estadual a partir do momento em que há conurbação entre territórios contíguos. Formalmente, as cidades de uma mesma RM devem apresentar sistemas de transportes, comunicação, pavimentação e outros interligados entre os diferentes limites municipais.

Na prática, porém, o planejamento ainda acaba sendo realizado, em grande parte dos casos, de forma independente, ou seja, cada prefeitura faz suas propostas e metas em termos de mobilidade urbana, sem se atentar às estratégias dos vizinhos. O resultado são desencontros, pouca eficiência e desperdício de oportunidades conjuntas.

“Urgem medidas para que realmente se alavanque o processo de mobilidade urbana, que acontecerá mais facilmente se tivermos uma autoridade metropolitana. Ela pode dar a prioridade dos investimentos, buscar funding para estudos e implantação dos projetos e funcionar como controller da evolução das obras”, opina Renato Meirelles, presidente da CAF Brasil.

Formato já consolidado

Modelos de entidades que atuam com independência ou integradas aos governos locais e regionais têm demonstrado êxito em diversas localidades do globo. “Vemos exemplos fora que deram muito certo, como em Londres. A Transport for London (TFL) foi formada para administrar o transporte urbano e funciona muito bem. Mais países da Europa e da Ásia também adotaram iniciativas desse tipo e podemos ver os benefícios que isso traz”, recorda Leonardo Vianna, presidente da CCR Mobilidade.

Outra estrutura reconhecida internacionalmente é a da Comunidade de Madri, uma das mais antigas do mundo. Na região metropolitana, que inclui a capital espanhola, a gestão ocorre por meio do Consórcio Regional de Transportes de Madri (CRTM), de maneira participativa.

“O CRTM é um organismo autônomo, mas em seu conselho de administração estão representadas todas as partes interessadas, desde o governo nacional, a comunidade e os municípios, até os sindicatos, usuários e operadores. Portanto, todos têm voz e voto”, esclarece Laura Delgado Hernández, responsável por Relações Exteriores no consórcio.

“O modelo de Madri seria o que mais se assemelha à nossa realidade”, afirmou à GRI Magazine Irineu Gnecco Filho pouco antes de deixar o posto de secretário adjunto de Mobilidade e Transportes da cidade de São Paulo.

“A grande vantagem [da implementação desse formato] é que haveria, em uma região como a da Grande São Paulo, uma governança onde o Estado, responsável pelos trilhos, participaria das decisões junto com os municípios, e seria possível organizar melhor o sistema", pontua Clodoaldo Pelissioni, secretário paulista de Transportes Metropolitanos. "Hoje, temos ônibus intermunicipais [do governo estadual] e municipais, e muitas vezes eles se sobrepõem ou o usuário precisa pagar duas tarifas”, ilustra.

Barreiras a superar

Embora se mostrem a favor de uma política conjunta e, no geral, vejam com bons olhos a configuração de uma autoridade metropolitana, os entrevistados pela GRI Magazine sinalizam entraves nesse sentido, em boa medida sob a ótica regulatória.

“Temos um problema grande. A Constituição fortaleceu os municípios e estados. Todavia, as regiões metropolitanas ainda são 'patinhos feios' no âmbito legal e não estão definidas com assertividade. Por isso, é importante que essa entidade seja precedida de um arcabouço institucional no qual os municípios se vejam comprometidos com uma organização metropolitana. Do contrário, existe a possibilidade de algum alinhamento momentâneo, mas isso fica muito ao sabor do administrador municipal que vier depois”, argumenta Miguel Noronha, diretor executivo da BMPI.

Para ele, ainda é preciso convencer mais amplamente os entes políticos sobre a relevância desse tipo de instância. "Não se trata de abrir mão de autonomia, e sim de criar espaço para que a gestão metropolitana possa atuar também”, realça.

Esse desafio ficou patente na Bahia, onde o governo estadual criou a Entidade Metropolitana da Região Metropolitana de Salvador, por meio da Lei Complementar 41/14. No entanto, até agora, o órgão não é reconhecido por autoridades locais, como a da própria capital.

“Do ponto de vista prático, temos uma entidade ainda questionada. Apesar de estar em funcionamento, alguns instrumentos não foram regulamentados”, esclarece Grace Gomes, superintendente de Mobilidade da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Urbano da Bahia.

“Em todos os lugares do mundo onde foi constituída uma autoridade, vemos que ela fica livre do cronograma político, fora da disputa entre municípios e, assim, consegue de fato fazer um projeto de longo prazo no qual se captura a eficiência do sistema de transportes”, pontua Harald Zwetkoff, diretor presidente da ViaQuatro. Aqui no Brasil, essa espécie de competição ainda persiste e inibe progressos, destaca ele.

Na visão de Rafael de Oliveira, especialista em Direito Constitucional e procurador do munícipio do Rio de Janeiro, para avanços, é necessário justamente diálogo, “vontade política de colocar isso em prática, visto que a legislação [Lei de Mobilidade nº 12.587/12], em vários momentos, menciona que um dos caminhos seria a formatação de consórcios públicos, contratos formalizados por União, estados e municípios”.

Novos passos

Mesmo com todas essas complexidades, algumas iniciativas despontaram recentemente no País, indicando oportunidade de progressos. A capital fluminense criou no início deste ano, por meio do Decreto 44.221, o Conselho Consultivo Autoridade da Mobilidade e dos Transportes do Município do Rio de Janeiro, que visa planejar políticas de mobilidade urbana e teve sua primeira reunião em 17 de abril.

Por sua vez, a capital paulista, junto ao Estado e a outros 38 municípios que compõem a RM de São Paulo (RMSP), instituiu um fórum de secretários das pastas de Transportes e de Mobilidade Urbana. Proposta em 2017 por Sérgio Avelleda, titular da Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes (SMT-SP) até abril passado, a iniciativa nasceu com o objetivo de debater temas comuns, como segurança e transporte individual, de carga e de passageiros.

“Foram realizadas cinco reuniões. Nelas, discutimos as questões particulares de cada cidade e suas necessidades. Trocamos informações e compartilhamos soluções”, relata Irineu Gnecco Filho. De acordo com o agora ex-secretário adjunto, uma iniciativa já havia sido colocada em prática: a padronização dos veículos urbanos de carga (VUC) que circulam na RMSP, estabelecendo a mesma restrição de horário, medidas e idades das frotas, entre outros aspectos.

Outra novidade em São Paulo é o Comitê Diretor de Transporte Integrado (CDTI), articulado entre a prefeitura paulistana e o governo do Estado e destinado especificamente a endereçar os problemas da capital.

Consultada pela nossa reportagem sobre avanços ou mudanças nessas iniciativas após a saída de Sérgio Avelleda, substituído por João Octaviano Machado Neto, a nova gestão não se pronunciou a respeito. A assessoria de comunicação da pasta não soube confirmar se as práticas serão mantidas.

Perspectivas à vista

Para César Borges, presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), ações em busca de configurar autoridades metropolitanas são de fato o caminho. “Acredito que é possível, mas somente na prática do dia a dia, do convencimento, e os administradores estão chegando a essa mentalidade”, analisa.

No mesmo sentido, Miguel Noronha enxerga “uma conscientização cada vez maior sobre as questões de mobilidade, passando a influenciar mais ativamente os políticos". Diz ele: "vejo condições de evolução; porém, é preciso um esforço conjunto, um arcabouço legal, apoio do setor privado e de associações, e também liderança forte dos governos estaduais, que são os que detêm certo protagonismo”.

Em São Paulo, por exemplo, de acordo com o secretário Clodoaldo, “o Estado tem um projeto de criar uma agência voltada ao transporte de passageiros, no âmbito da Secretaria de Transportes Metropolitanos, que abarcaria EMTU [Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo], concessionárias privadas e públicas, CPTM [Companhia Paulista de Trens Metropolitanos] e metrô”. Por outro lado, devido ao calendário eleitoral, os progressos “dependerão evidentemente do próximo governo”, alerta ele.

Pela experiência madrilenha, constituir organizações responsáveis pelo transporte regional seria um passo positivo para o Brasil. “Tenho consciência de que não é algo fácil. O processo depende da articulação dos diferentes níveis de poder, de partidos distintos e de diversos outros âmbitos. Em contrapartida, não apenas Madri, mas Londres e Singapura são exemplos claros de sucesso. Há muitas autoridades de transporte público, com diferentes competências e organizações, que demonstram que o modelo funciona. Acredito que é necessário olhar mais à frente, em busca de uma solução que gere mais ganhos à população”, comenta Laura.

 

Esse e outros conteúdos você encontra na GRI Magazine Infrastructure 10ª edição.