Arbitragem no setor de infraestrutura: como fortalecer esse mecanismo?

13 de julho de 2021Infraestrutura
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A arbitragem no setor de infraestrutura tem se tornado possível e popular, em parte, graças a avanços legislativos de diversos entes da federação. Sobre o estímulo ao uso do instituto no setor, o GRI Club realizou o e-meeting “Arbitragem em infraestrutura no Brasil - como fortalecer esse mecanismo?”, ocorrido em junho. 

O evento reuniu representantes de diversos setores da infraestrutura e contou com a moderação de Ane Elisa Perez, sócia do Manesco Advogados. Leia os principais temas abordados no encontro. 

Arbitragem como estímulo ao setor de infraestrutura

A arbitragem (e outros meios alternativos de solução de disputas, como os dispute boards) pode ser uma maneira de fomentar a área de infraestrutura, trazendo maior segurança para o investimento estrangeiro? Pode ser uma saída para sanar o “risco Brasil” no que tange à demora do judiciário? 

Atualmente, órgãos multilaterais consideram o instrumento um elemento fundamental, especialmente para concretizar a financiabilidade dos projetos. O BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), por exemplo, publicou um estudo em 2019 no qual comparava as principais leis de PPP na região da América Latina. 

Nota-se que boa parte dos países da região tem uma lei específica para PPPs e, nelas, previsão de arbitragem para esse tipo de contrato. Nesse sentido, o Banco Mundial também publicou estudo parecido. 

Embora haja tal previsão, ainda restam aprimoramentos. Em alguns locais, por exemplo, a Administração apenas realiza arbitragens no próprio país e na própria língua. Ao lado da arbitragem, nota-se também a existência dos dispute boards como elemento importante dos contratos de infraestrutura. Os comitês podem, de modo mais célere, resolver questões técnicas ou fazer com que uma futura arbitragem possa ser ainda mais veloz. 

Contudo, apesar da atual importância dos métodos alternativos de solução de conflitos no setor de infraestrutura, ainda há uma série de dúvidas: como diminuir a onerosidade desses mecanismos? Talvez tendo mais árbitros e mais câmaras? Será que os dispute boards ad hoc são realmente mais econômicos? É possível dividir custos desses dispute boards partilhando-os com outros projetos? É interessante permitir arbitragens internacionais envolvendo entes públicos? Nesses casos, os custos seriam necessariamente mais altos? 

Óleo e gás - adaptação dos administradores

Hoje, na área de óleo e gás, boa parte dos contratos possui cláusula de solução de disputas por meio de arbitragem. Procuradorias, como a da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), são bem assessoradas. Mas, por vezes, a postura institucional adotada pelos entes públicos pode ser refratária à arbitragem.

Vale lembrar que a arbitragem de infraestrutura entre particulares é completamente diferente do que aquela que envolve o poder público, e essas diferenças têm razão de existirem. No setor de infraestrutura, a arbitragem entre privados está bem consolidada; por outro lado, a arbitragem com o poder público ainda está em desenvolvimento. 

Boa parte de sua estruturação foi opção do legislador, mas não necessariamente do administrador. Assim, por vezes, ainda é comum encontrar resistências, especialmente em questões relacionadas ao que pode ou não ser arbitrável e se a arbitragem abrangeria o “interesse público” envolvido na questão.

Logística - normas muito recentes 

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) apresenta um dashboard com algumas estatísticas da Justiça no país. Lá constam mais de 300 milhões de processos. Em 2019, desses, mais de 70 milhões eram processos ativos. Esse volume, por si só, já justifica a necessidade da arbitragem - inclusive com o setor público. 

Mas por que a arbitragem ainda parece ser tão nova para o setor público? Na área de logística, ainda não há grandes experiências de envolvimento da Administração com a arbitragem. Sublinha-se que as próprias previsões legais são recentes: a alteração na Lei de Arbitragem para incluir a Administração Pública, direta e indireta, aconteceu em 2015. 

Outro avanço foi com a publicação da Lei 13.448/2017, que estabelece diretrizes gerais para prorrogação e relicitação de contratos de parceria nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário da administração pública federal, que previu a arbitragem com o poder público, mas também dispôs a necessidade de regulamentação para credenciamento de câmaras arbitrais.

O decreto regulamentador só foi publicado no segundo semestre de 2019. O normativo detalha quais questões estariam sujeitas a arbitragem: (i) questões relacionadas à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos; (ii) cálculo de indenizações decorrentes de extinção ou de transferência do contrato de concessão; e (iii) inadimplemento de obrigações contratuais por qualquer das partes. 

No entanto, embora numerosas, todas essas publicações ainda são recentes. O que se vê de mais comum no setor de infraestrutura é o “arbitramento”. Por exemplo: usuários do setor ferroviário reclamam na ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres); em seguida, a Agência abre um procedimento, no qual as partes são ouvidas e há uma decisão - da qual cabe recorrer. 

Com relação à arbitragem, a ANTT publicou uma resolução, também em 2019, que permite arbitragem em conflitos entre a Agência e seus entes regulados (concessionários, OFIs e, no futuro, autorizatários de novas ferrovias).

Setor elétrico - importância das consultas públicas

Até o momento, a ANEEL ainda não realizou nenhuma arbitragem. Hoje, boa parte das arbitragens no setor acontecem sobre disputas envolvendo contratos de comercialização de energia, que são contratos privados, mas altamente regulados. Por força de lei, o poder público também pode participar de arbitragens.

Mas onde está a resistência? No geral, parece se concentrar mais no administrador público do que nas procuradorias. Especialmente para os setores regulados, a arbitragem pode ser um tema muito complexo. Por exemplo: um caso no qual o árbitro peça a suspensão de um contrato no setor de energia que está em execução. O que fazer? Nesse caso, o Decreto 9.957/2019 foi um avanço importante para a consolidação da arbitragem na área de infraestrutura. 

Apesar de a publicação ter sido feita para a área de transportes, ela se aplica para outros setores e trouxe maior segurança jurídica para o gestor público. No entanto, o administrador ainda parece ter receio de como os órgãos de controle vão receber a decisão. Por isso, é preciso trabalhar não só os órgãos reguladores, mas também os órgãos de controle, especialmente para que se consolidem as possibilidades de arbitragem nos setores regulados.

No setor elétrico, há casos que poderiam ser levados para a arbitragem, especialmente conflitos em torno de excludente de responsabilidade por atraso ou na implementação dos empreendimentos, questões de equilíbrio econômico-financeiro desses contratos e indenização em caso de declaração de caducidade ou ao final do contrato, para reversão de bens. Hoje, a ANEEL tem previsão de arbitragem no segmento de transmissão, especificamente. 

Também cabe lembrar que todos os leilões de energia passam por consulta pública. Recentemente, não se tem observado manifestações no sentido de inclusão de cláusulas arbitrais ou previsões de dispute boards nesses contratos. Por isso, pode-se dizer que ainda parece haver falta de interesse do mercado e dos agentes que vão participar do leilão na inclusão da previsão de arbitragem.

Aviação - litígios mais qualificados

Recentemente, a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) possibilitou a inclusão de um aditivo para contratos de concessão aeroportuários disporem de previsão de arbitragem. Assim como o setor de infraestrutura aeroportuária como um todo, as cláusulas de arbitragem também evoluíram, especialmente ao se comparar as primeiras rodadas de concessões com o presente momento. 

No início das concessões de aeroportos, as modelagens contratuais partiram de estudos de contratos do setor elétrico e de concessões de rodovias. Até a terceira rodada, a arbitragem apenas era prevista para casos de indenização por bens reversíveis não amortizados. 

A partir da quarta rodada de concessões, revisitou-se esse dispositivo e ampliou-se a cláusula. Esse era o mesmo momento histórico de publicação da Lei 13.448/2017, tendo servido como uma janela de oportunidade para trazer confiança para o gestor. 

Antes da Lei, o gestor público tinha muito mais receio de discutir uma série de questões na arbitragem. Porém, a partir daí, estudando casos da ANP e da ANTT, agências com grandes sucessos em arbitragens, a ANAC começou a interagir com o NEA/AGU (Núcleo Especializado em Arbitragem da Advocacia-Geral da União). 

Houve um aumento do número de pessoas que atuam com arbitragem na Agência. Contratos mais recentes, da quinta e sexta rodada de concessões aeroportuárias, tiveram o escopo das cláusulas arbitrais aumentado. Também foi viabilizada a possibilidade de edição de aditivos aos contratos de rodadas anteriores para expandir essas cláusulas.

Hoje, a ANAC tem arbitragens em andamento. Inclusive, parece haver uma certa reticência do privado frente à ampliação do escopo da cláusula arbitral. No entanto, é bom alertar que as questões a serem discutidas em arbitragem precisam ser escolhidas a dedo, com cautela e muita pesquisa para embasar os pleitos, vez que o custo de transação para o litígio acaba o qualificando muito - o que, ao final, acaba sendo importante como um desincentivo ao mau litígio. 

Ademais, a própria pandemia de Covid-19 tornou ainda mais necessária uma busca mais célere para a solução de litígios.

Órgãos de controle e futuro

Ao tratar especificamente do TCU (Tribunal de Contas da União), percebe-se o esforço de atualização no assunto. Nesse sentido, nos últimos meses, o Tribunal tem realizado agendas sobre métodos alternativos de solução de controvérsias.

Além disso, com o passar do tempo, a própria legislação - ainda muito recente - se torna mais madura e com casos mais consolidados. A Nova Lei de Licitações foi importante para tanto, já que também trouxe exemplos de litígios em que a arbitragem pode ser utilizada.

A corroborar isso, veja-se que há, inclusive, publicação recente de decisão no Acórdão 3160/2020, no qual o TCU entende que é possível o uso de arbitragem no setor portuário.

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